Quando a questão vai além da objetividade

Em: 18 Maio 2014 | Fonte: Gazeta do Povo

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), entre outros testes mais abrangentes do país, são alvo de constante ideologização, conforme criticam especialistas da área de educação. O resultado, segundo os críticos, é que muitos estudantes viram reféns dos examinadores ao terem de responder às avaliações de acordo com quem as elaborou, ou seja, com um certo viés moral e ideológico.

A denúncia parte, entre outras fontes, do engenheiro Claudio Haddad, 67 anos, que preside o Insper, um instituto de educação e pesquisa de São Paulo. Recentemente, ele deu uma entrevista à revista Veja, falando do tema. No dia 24 de julho, em Brasília, um seminário irá discutir o assunto. O evento deve reunir representantes do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Distrito Federal.

Haddad acusa a prova de conhecimentos gerais do Enade, feita para avaliar os alunos dos cursos de graduação, de se fiar em um “viés ideológico, com alta dose de subjetividade e um olhar simplista sobre as grandes questões da atualidade”. Segundo a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) e a Escola Sem Partido, alguns colégios e vestibulares também se aparelham ideologicamente, obrigando o aluno a seguir um determinado raciocínio para acertar as questões.

Diretrizes

Francisco Soares, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão público responsável pelos exames citados, informa que as provas de cada curso do Enade são construídas em cima das diretrizes curriculares emanadas pelo Conselho Nacional de Educação. “Não é um grupo isolado que toma as decisões de quais questões abordar. Elas seguem as diretrizes dos cursos. E os examinadores que criam essas provas são oriundos de várias universidades do Brasil”, esclarece. Soares lembra ainda que o objetivo dos examesé obrigar o aluno a colocar em prática, em situações cotidianas, o conhecimento apreendido em sala de aula.

O presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe-PR), Jacir Venturi, conta que inúmeras vezes ouviu reclamações de pais sobre doutrinação política em materiais didáticos e em sala de aula. Já Amábile Passos, presidente de Fenep, defende que o aluno tenha o direito de permanecer em sala sem ser doutrinado. “É necessário abordar o contraditório e não apenas enfatizar um lado da história, resumindo tudo a uma batalha entre o bom e o mau. Se o professor vai ensinar sobre capitalismo e socialismo, por exemplo, ou sobre jesuítas e os povos indígenas, ele deve apresentar os dois lados e enfatizar igualmente os pontos falhos em cada versão histórica”, conclui.

Os especialistas, contudo, não subestimam a capacidade de pensar dos alunos. O geógrafo Luis Lopes Diniz Filho, da UFPR, que estudou a ideologização em livros de geografia, destaca que o perigo reside na formação de uma visão crítica favorável a certos discursos e pessoas, sem deixar o estudante pensar por si só.

Aluno pode ficar “refém” do examinador

O advogado Miguel Nagib, coordenador do grupo Escola Sem Partido, diz que o grupo não encontrou nenhum caso de viés ideológico em provas no Paraná, mas aponta ocorrências principalmente em provas vestibulares no Sudeste e no Nordeste. “Vira e mexe aparecem algumas questões ideologizadas também nos exames nacionais. Nesses casos, o aluno fica refém do examinador, pois é obrigado a responder como ele [o examinador] deseja, seguindo um norte político pré-estabelecido e não como a realidade se apresenta. Questões com valores morais ou preferências ideológicas não devem entrar nas provas”, afirma.

Porém, para o professor de história do Curso Positivo Daniel Medeiros, não há trabalho ideológico por parte das provas de vestibular e exames nacionais. “Ideologia é fazer um trabalho sistemático de convencimento a respeito de um ponto de vista. E isso não acontece. Certos discursos podem até ser enviesados às vezes, mas não são doutrinários”, atesta.

O problema é que quase toda fala proferida dentro de sala de aula pode ser considerada um argumento político. Medeiros lembra que o professor só deve ensinar aquilo que diz respeito à vida das pessoas socialmente organizadas. “Se ele preferir discutir algo da vida privada, aí sim é que existe algo de errado, pois a escola é um espaço público de formação do cidadão.”

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