Programa vai reforçar formação de professor, diz Mendonça Filho

Em: 19 Janeiro 2018 | Fonte: Valor Econômico

O ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), lançará em março o edital de um novo programa, chamado Residência Pedagógica, seguindo o modelo da Residência Médica, destinado a melhorar a formação dos professores brasileiros. Será provavelmente a última ação concreta antes de sair, em abril, para se desincompatibilizar do cargo e se candidatar nas eleições de outubro. Mendonça Filho falou ao Valor na terça-feira, um dia antes de lançar, no Palácio do Planalto, medidas de ampliação do programa de escola em tempo integral, do ensino médio, e de liberar recursos para a área.

Fez um balanço parcial do novo Fies, cujo prazo de adesão, para as universidades, terminaria hoje, mas foi prorrogado até o próximo 29 de janeiro. Até ontem, 649 universidades tinham aderido ao Fies reformulado. No ano passado, somando os dois semestres, foram mais de mil universidades no programa que o governo considerou insustentável e que, com a velha configuração, produziu um rombo de R$ 32 bilhões.

O ministro fez também uma avaliação da implantação do novo ensino médio e voltou a responder às críticas por haver promovido a reforma do segmento por Medida Provisória: "estava em discussão há 20 anos, com comissão funcionando no Congresso há cinco anos". Sobre outro programa educacional com reflexo nas contas públicas, o Fundeb, fundo de financiamento da Educação Básica, o ministro informou que ainda não está definido se esse instrumento pode ou não furar o teto de gastos da emenda constitucional. "O TCU terá que avaliar".

Mendonça divide as funções no ministério com as de articulador político. É um dos principais aliados e conselheiros do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que costura apoio para concorrer à Presidência da República. Caso esse plano não dê certo, o ministro figura como opção do DEM para compor uma chapa como vice. Ele desconversa. Diz que seu projeto eleitoral está em Pernambuco, onde ainda não decidiu a que cargo concorrer, o que dependerá de arranjos locais.

O ministro tem na ponta da língua os avanços na sua área, considerada, apesar da crítica de algumas ONGS educacionais, a de melhor desempenho no governo Temer. "Acho que a gente [do DEM] recolocou a agenda da educação em um bom lugar. Sem querer ser pretensioso."

Mendonça Filho afirma que o problema da Educação não é dinheiro: o Brasil investe 6% do PIB em educação, mas ainda gasta mal. "Não vou jamais discutir redução de investimentos em educação. Acho que é sempre necessário, mas a discussão não pode ser só por mais recursos, como normalmente se faz quando se discute qualquer política pública no Brasil". A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Houve redução dos gastos com o Fies, com uma reforma que dividiu o programa em faixas e que foi criticada pelos grandes conglomerados de universidades. Isso terá impacto nas matrículas?

Mendonça Filho: A reforma garantiu sustentabilidade ao Fies para não onerar o Tesouro a ponto de inviabilizar a existência do programa. Como a ideia era concebida anteriormente, produziu um rombo de R$ 32 bilhões e uma inadimplência que chegou a quase 50%. Era insustentável. Agora, temos um compartilhamento da responsabilidade com as instituições de ensino. Elas são solidárias na inadimplência e a gente tem um programa com três faixas de atendimento. A primeira faixa para aqueles que ganham até três salários mínimos, com 100 mil vagas nesse primeiro ano e juros zero. A gente saiu de juros de 6,5% ao ano para um juros zero para essa primeira faixa. E duas novas faixas: uma que se utiliza dos recursos dos Fundos Constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e que deve atender cerca de 150 mil alunos, pelo menos esse é o potencial; e a outra, que é uma operação mais privada, que felizmente, com a redução das taxas de juros, os próprios bancos estão muito mais proativos na entrada no financiamento estudantil. Com a Selic de 7% ao ano, evidentemente os bancos terão que buscar outra alternativa que não comprar título público.

"Você tinha um Fies fundado em bases frouxas e que produziriam um desastre do ponto de vista financeiro próximos anos"

Valor: O recuo do mercado com relação ao Fies não vai prejudicar os alunos?

Mendonça: Não, não vai prejudicar. Na verdade é um processo de adaptação a uma nova realidade. Você tinha um Fies absolutamente fundado em bases frouxas e que produziriam um desastre do ponto de vista financeiro e, consequentemente, não teria capacidade de atender os estudantes nos próximos anos.

Valor: Já foi coberto o rombo?

Mendonça: Está sendo compatibilizado dentro das contas do Tesouro Nacional a partir das boas práticas contábeis. O Tesouro vai incorporar essa inadimplência e esse rombo potencial formado pelo Fies velho à medida que isso aconteça.

Valor: Houve perda de vagas?

Mendonça: Não. A expectativa é que teremos oferta de vagas até maior que a demanda das universidades. O prazo de adesão foi prorrogado para o dia 29 de janeiro, mas até o momento já se inscreveram para participar do programa 649 instituições de ensino superior.

Valor: Houve demissões em universidades. Isso teve a ver com o recuo no Fies?

Mendonça: Não. O que houve é que algumas universidades [a Estácio de Sá, que demitiu 1,2 mil professores no fim do ano] estão em um processo de fusão e quem analisa esses aspectos econômicos, empresariais, não é o MEC, é o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica].

Valor: E o caso das universidades Metodista, São Judas, Casper Libero, onde muitos foram demitidos?

Mendonça: Muitas atividades empresariais tiveram que se adequar à nova realidade econômica, que eu espero que comece a se recuperar. Não sei exatamente qual é a razão, mas digo que a recessão atingiu diversos setores, inclusive a educação. Espero que seja um momento de superação, já que nós vencemos a recessão.

Valor: A reforma do ensino médio, um resultado que o sr. destaca, causou bastante polêmica, por ter sido feita por Medida Provisória e excluir a filosofia da grade obrigatória. O sr. ainda acha que foi boa a mudança?

Mendonça: O ensino médio no Brasil destoava completamente de qualquer país europeu, dos Estados Unidos. Era rígido, com treze disciplinas obrigatórias, com uma carga horária insuficiente, em termos de sala de aula para os alunos, e que merecia uma grande mudança. Era uma reforma discutida há vinte anos, com um projeto e comissão instituída no Congresso há pelo menos cinco anos, debatendo. Aprovamos um novo arcabouço e o jovem terá um ensino médio flexível, onde o seu itinerário formativo será determinado a partir de seu projeto de vida.

Valor: Quando as mudanças estarão funcionando na prática?

Mendonça: Está em processo de implementação. Devemos ampliar a oferta de vagas em cursos técnicos, concomitantes com o ensino médio. É algo que deve estar cada vez mais presente na grade das escolas de nível médio do Brasil. Isso naturalmente coloca o país em uma posição de busca da perda de competitividade do ponto de vista de formação profissional. A Europa, na média dos países, tem mais de 40% das matrículas de ensino médio com cursos técnicos. O Brasil apresenta apenas 8%.

Valor: Qual o prazo para alterar essa relação e criar novas vagas?

Mendonça: Acho que vai ter uma variação de velocidade de acordo com a maior adesão das redes estaduais. Tem várias iniciativas já nesse campo, nessa direção. Serão cada vez mais fortes. O Enem, como exame nacional, terá que se adequar ao novo ensino médio, a partir de 2019, 2020, priorizando a base nacional comum curricular.

"Não tem nova meta [do PNE]. Como vai ser um horizonte muito além da minha gestão, não tem como discutir isso agora"

Valor: O Plano Nacional de Educação também criticado por ONGs da Educação desde o governo anterior, tem como principal meta aumentar os gastos com educação para 10% do PIB até 2024. Estamos hoje em 6%. É exequível fazer isso em um período de contração fiscal ou o MEC já trabalha com um novo número?

Mendonça: Não tem nova meta. Isso não está sendo discutido. Como vai ser um horizonte muito além da minha gestão, que se encerra em abril, não tem como discutir isso agora. Alguns queriam que eu revogasse o PNE, aprovado no governo anterior. Não faria sentido.

Valor: Mas há queixa de falta de recursos. Gasta-se mal?

Mendonça: Não vou jamais discutir redução de investimentos em educação. Acho que é sempre necessário, mas a discussão não pode ser só por mais recursos, como normalmente se faz quando se discute qualquer política pública no Brasil. No governo do PT triplicaram o valor do orçamento do ministério, de R$ 40 bilhões para R$ 130 bilhões. Quando você triplica o orçamento e não consegue um desempenho equivalente, como fez o governo do PT, é porque você está sendo ineficiente. Infelizmente, esse é o quadro.

Valor: Quais metas da Educação ainda estão vigorando?

Mendonça: O governo Temer vai entregar uma das metas, a reestruturação da base curricular. Também vamos avançar em outra meta, de ampliar a educação em tempo integral - algo inspirado, inclusive, na minha gestão como governador de Pernambuco. Em toda a história do Brasil, tivemos 300 mil vagas de ensino básico em tempo integral. Em dois anos de governo Temer, vamos ter garantidas quase 500 mil matrículas, com aporte do governo federal e apoio dos Estados.

Valor: Teve alguma outra experiência de êxito em outros Estados que inspiraram o governo federal?

Mendonça: A grande referência para a alfabetização é o Ceará, por exemplo, com o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), que inspirou o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). O governo federal incorporou ainda na gestão do PT, mas, infelizmente, com um déficit de implementação muito grande. Tanto é que os indicadores com relação ao desempenho de alfabetização, verificados pelo Inep, mostram claramente que a gente não conseguiu mexer com o desempenho da alfabetização. Pelo contrário, temos indicadores extremamente negativos do ponto de vista de leitura e de escrita.

Valor: Na sua definição, a Educação cuidou bem do hardware (os prédios) e agora precisa dedicar-se ao software. O que é isso?

Mendonça: Software são os professores, bem preparados, motivados, valorizados. Além disso, gestão. São conteúdos que precisam estar presentes e que são fundamentais. Para que o professor tenha um bom desempenho, precisa de currículo bem definido, capacitação, formação inicial e continuada de boa qualidade. Tanto é que agora lançaremos até março o primeiro edital do programa Residência Pedagógica. Toda formação de professor no Brasil sempre foi muito acadêmica e não levou muito em consideração a questão da vida prática dentro da sala de aula.

Valor: Residência, como no curso de Medicina?

Mendonça: É inspirado em experiências internacionais e até na realidade dos médicos. Uma das etapas de formação de um médico é a residência, que é fundamental para que ele tenha sensibilidade e adquira conhecimento na prática para ter um bom desempenho. O mesmo será feito para os professores. É um programa que atuará junto com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), a partir desse edital. O PIBID envolvia tão somente o MEC e as universidades e não considerava o papel dos Estados e municípios. As grandes redes de educação são municipais e estaduais. Como é que você não coloca esses entes como parte do processo de definição da formação do professor? Agora, eles estão participando da coordenação, da escolha, da localização dos professores selecionados pelo PIBID e nós lançamos a residência pedagógica.

Valor: O veto do presidente à complementação de R$ 1,5 bilhão no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) no Orçamento deste ano foi acertado previamente?

Mendonça: O Fundeb tem aporte de recursos dos Estados e municípios e uma complementação da União. Incrementamos em R$ 1,5 bilhão a complementação desde que o presidente Temer assumiu. Mas se aprovou uma emenda no Congresso acrescentando mais R$ 1,5 bilhão. Só que existe dúvida sobre a constitucionalidade dessa emenda. E poderia comprometer outras políticas públicas importantes. Como é um fundo contábil, você não cria um novo dinheiro. Não sai do além. Esse dinheiro precisa sair de alguma alocação para outra, poderia comprometer programas na educação básica. E não faz sentido fazer isso.

Valor: O Fundeb pode furar a emenda do Teto de Gastos?

Mendonça: Não sei, tenho dúvida com relação a isso. Não há clareza sobre essa interpretação.

Valor: E quem vai resolver isso?

Mendonça: O TCU [Tribunal de Contas da União], talvez.

Valor: Com a sua saída para candidatar-se, o MEC continuará com o DEM? O partido retomou a pasta depois de um longo período com o PSDB e o PT.

Mendonça: Não tenho a mínima ideia e nem quero ter. Ainda tem tempo. Sinceramente, é uma decisão para conversar mais à frente com o presidente Temer. Acho que a gente recolocou a agenda da educação em um bom lugar. Sem querer ser pretensioso. (Colaborou Rosângela Bittar)

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