Novas regras do Fies frustram os sonhos de muitos brasileiros

Em: 05 Agosto 2015 | Fonte: TV Globo / Jornal Nacional

Por falta de dinheiro, o Ministério da Educação reduziu pela metade o número de universitários que vão ter acesso a novos contratos do Fies.

Milhões de estudantes que precisam de ajuda do governo pra pagar a faculdade levaram um banho de água fria esse ano. Por falta de dinheiro, o Ministério da Educação reduziu pela metade o número de universitários que vão ter acesso a novos contratos do Fies. Hoje, dois em cada cinco alunos de faculdades privadas dependem desse empréstimo a juros mais baixos.

No Brasil e nos Estados Undios, o financiamento dos estudos é o assunto dos repórteres Phelipe Siani e Fábio Turci.

Até hoje a rotina é a mesma. Na casa alugada de dois cômodos, todo santo dia o Alan senta, espalha os cadernos na mesa da cozinha e começa a escrever não em português... Mas numa língua que, só de ver, muita gente já fica com tontura. Fórmulas, cálculos e mais cálculos do aluno do segundo ano de engenharia mecânica.

“Quando eu entrei na faculdade, eu falei ‘O que eu fiz ne, o que foi que eu fiz?’ Eu falei, ‘Não, vou aprender, de um jeito ou de outro, já que eu não gosto, eu vou aprender a gostar na base da marra’”, contou o estudante de engenharia Alan Barbosa.

E não é que deu certo? Em dia que ele não estuda, parece que falta alguma coisa. Aí logo ele sai de casa, fecha o portão, sai a pé. Mas ele não está indo para a faculdade. O outro compromisso com os estudos desde o começo do ano é na lan house.

Na falta de internet em casa, é em lugares como esse que o Alan tenta - quase que diariamente - fazer a renovação da bolsa do Fies que tinha até o ano passado. Sempre que ele senta numa cadeira, é do mesmo jeito: ele passa um tempão em frente ao computador no site do Fies tentando fazer a renovação e nada. Dessa vez, ele ficou uma hora, viu as mesmas mensagens de erro de sempre, e ficou com a agonia de não saber se vai conseguir continuar os estudos.

“Dá erro, agora, entrou, mas como foi visto, me bloquearam pra não conseguir fazer o aditamento. Falaram que mandaram uma mensagem no celular e nada. Não chegou essa mensagem no celular”, conta o estudante.

Nos últimos anos, a torneira do financiamento estudantil no país, por onde passam os alunos que acabaram de entrar e também os que vão renovar o Fies, foi bem aberta.

“Nós temos 12 anos de expansão do orçamento da educação com excelentes resultados. Temos um único ano que é este ano, talvez com começo no final do ano passado, que o orçamento se tornou apertado, menor e em função disso tivemos que apertar também os critérios. Nós abrimos espaço para as pessoas quererem fazer ensino superior, vai haver frustração durante algum tempo e nosso trabalho é reduzir ao mínimo essa frustração”, diz o ministro da Educação, Renato Janine.

Mas afinal de contas, que que aconteceu com o Fies? O Fies começou em 1999, mas o governo pôs mais combustível no programa em 2010. Há cinco anos, foram 76 mil novos financiamentos. Em 2011, mais de 150 mil.

No ano seguinte o número mais que dobrou: foram 380 mil novas vagas. Inscrições ainda muito mais aquecidas em 2013 e, no ano passado, número recorde de novos financiamentos: 732 mil.

Mas aí, veio 2015. E o Fies esfriou e muito: 314 mil financiamentos este ano. E, a partir do ano que vem, o governo já definiu em qual altitude esse balão pode voar, na altura de 350 mil novas vagas por ano.

Sem a renovação do Fies, é fim de linha para o sonho do Alan, porque a mensalidade da faculdade de engenharia é mais cara do que toda a renda da família, de R$ 680.

“A gente sabe que, hoje, grande parte do potencial de crescimento do ensino superior é por meio das camadas menos favorecidas, que só conseguem estudar se tiver o apoio de um financiamento estudantil”, afirma Rodrigo Capelato, diretor do Sind. das Mant. de Ensino Superior SP (Semesp).

“A gente vinha de uma sociedade muito injusta. Uma sociedade injusta onde os pobres não estudavam e os ricos punham seus filhos nas escolas federais. Essa sociedade acabou, graças a Deus, o país melhorou muito. E os pobres hoje querem estudar, eles têm direito de estudar. A gente tem que criar mecanismos pra que todo mundo tenha acesso à educação”, aponta Samuel Pessoa, professor de economia da FGV.

E um financiamento com juros tão baixos como os do Fies só é possível porque tem um baita de um subsídio. Se pegassem essa grana emprestada num banco, os juros médios seriam muito mais altos. E o tal do subsídio é essa diferença de juros que são financiados com os nossos impostos. A taxa básica de juros do Brasil é de 14,25% por ano, mas o governo cobra só 3,4% do estudante que fechava contrato até o ano passado.

Não entendeu muito bem essa conta? Então a gente vai tentar explicar. Imagina que um gerente de livraria compre um livro e pague R$ 14,25 por ele. Aí, ele decide vender o mesmo livro por R$ 3,40. Não faz muito sentido - ele tem prejuízo, está pagando para vender. É isso que o governo faz com os juros do Fies. Paga para emprestar pros estudantes.

Nos Estados Unidos, é o contrário. É como comprar esse livro baratinho, por menos de R$1, e vender por R$ 6,80. O governo não perde dinheiro, como no Brasil. Pelo visto, ele até ganha.

Andrew Haughwout, pesquisador do FED - que é o banco central americano - explica que o governo ganha com alguns empréstimos, mas perde com outros. É que muita gente atrasa o pagamento e os estudantes mais pobres pagam menos juros.

“Dizer se é um bom negócio pro governo é uma pergunta difícil. Mas, historicamente, se o governo perde, não é muita coisa", disse Andrew Haughwout, pesquisador do FED.

Assim, não falta dinheiro e, em vez de fechar as portas como no Brasil, o governo abre. Hoje, nove milhões de estudantes têm financiamento público nos Estados Unidos. E dá para chegar, pelo menos, a 12 milhões - número que o país já teve em 2010. Em dez anos, o total de dinheiro emprestado pros estudantes mais do que triplicou.

Hoje, os americanos financiam mais para estudar do que para comprar carro ou gastar no cartão de crédito. A terra do consumo está consumindo educação. Mas é bom que o diploma ajude a arrumar um bom emprego para pagar essa dívida depois.

A cada cinco estudantes que se formaram com dinheiro emprestado pelo governo, um está com dificuldade para pagar. E no Brasil, a gente ainda não sabe quanta gente não está pagando, porque a primeira galera que pegou o empréstimo do Fies lá em 2010 e fez um curso de quatro anos, por exemplo, só vai começar a pagar agora, no segundo semestre de 2015. E as novas regras do jogo equilibraram a partida para o lado do governo, que, claro, não quer tomar uma goleada dos maus pagadores.

E o Alan não quer ser um deles. E pelo menos no caso dele, a tabelinha com o Fies voltou a dar certo.

“Depois de sete meses de tentativa, eu consegui o Fies. Se eu tivesse parado de estudar, eu ia voltar enferrujado. Ainda bem que eu continuei estudando. Bola pra frente”, disse Alan.

you