MEC tem chamada pública até dia 11 para mapear escolas inovadoras
Em: 09 Novembro 2015
Até o momento, 3.527 incvcstituições já começaram a responder questionário
Quem chega ao número 176 da rua Cabo Estácio, no bairro do Capão Redondo, na periferia de São Paulo, encontra os portões escancarados. No Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) Campo Limpo, a diretora Êda Luiz deixa a regra bem clara:
— Nossos portões ficam abertos o tempo todo, embora estejamos em um lugar violento. Fazemos questão que essa escola faça parte da comunidade. A comunidade deve construí-la.
O Cieja Campo Limpo é uma das instituições que responderam à chamada pública “Inovação e Criatividade na Educação Básica”, iniciada pelo Ministério da Educação (MEC) no mês de outubro para identificar iniciativas inovadoras na educação brasileira. A intenção do MEC é mapear práticas criativas no território brasileiro e lançar luz sobre elas para que possam ser replicadas em outras instituições.
O MEC estabeleceu cinco pontos para caracterizar o que seria essa inovação e criatividade: gestão democrática; currículo que envolva foco na educação integral, além da produção de conhecimento e cultura; ambiente escolar acolhedor e propício para desenvolvimento de atividades criativas; metodologia que traga o protagonismo do estudante e reconheçam sua singularidade; e intersetorialidade, ou seja, iniciativas que envolvam a comunidade onde a escola está inserida.
Até o momento, 3.527 instituições — entre Organizações Não Governamentais (ONGs) e escolas públicas e privadas — já enviaram ao ministério as informações relativas às ações desenvolvidas. O prazo final é dia 11 deste mês.
— O Brasil precisa cumprir três tarefas: universalizar a educação, garantir que todos que estão na escola aprendam e encontrar um modelo que responda aos anseios do século XXI. A peculiaridade do Brasil é que temos que trocar o pneu do carro com ele andando, lidar com os três cenários ao mesmo tempo — afirma Helena Singer, assessora especial do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e coordenadora do Grupo de Trabalho Nacional de Inovação e Criatividade. — Queremos jogar luz nas iniciativas inovadoras. Faltam referências para os gestores públicos do que pode ser uma outra forma de organizar a escola que não implique em mais recursos e que atendam às demandas dos estudantes deste século.
Para se adequar à realidade dos cerca de 1.200 alunos do Cieja, a equipe de direção democratizou a gestão da escola e passou a realizar assembleias regulares para discutir questões relativas ao ambiente escolar. Entre as mudanças, a escola decidiu, em conjunto com os alunos, flexibilizar os turnos de aula, viabilizando aos estudantes adequar o ensino à rotina de trabalho. Hoje, há aulas no Cieja nos períodos da manhã, tarde e noite.
GESTÃO DEMOCRÁTICA
Após dois anos de discussão, estudantes, professores e direção da escola elencaram também 11 valores, como solidariedade, justiça e trabalho, que devem nortear o ensino no Cieja. Além disso, definiram aspectos pedagógicos importantes, como o agrupamento das matérias regulares em quatro grandes áreas do conhecimento, para facilitar a compreensão dos conteúdos. As medidas contribuíram para fazer com que os alunos se interessem pela escola e queiram permanecer nela.
— Eles (os alunos) acharam que era muito fragmentado ter uma aula a cada 45 minutos. Então, optamos juntos por agrupar as matérias em grandes áreas. Não somos organizados em hora aula, a organização do tempo é modular: eles ficam um mês em cada área do conhecimento, com começo, meio e fim — conta a diretora Êda Luiz, explicando também que o tema a ser discutido nas aulas é decidido pelos alunos. — Eles escolhem um tema em assembleia, questionam o que querem saber sobre ele, e os professores olham para isso e procuram todo tipo de suporte para pesquisar e construir os conceitos. Chamamos todos para decidir que escola é essa em que querem estudar.
Dialogar com os estudantes também foi o passo determinante para mudar significativamente a cara da Escola Municipal Professor Souza Carneiro, no bairro da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A instituição, que atende alunos do 5º ao 9º ano e já foi conhecida como “Carandiru”, em referência ao presídio paulista, subiu sua nota no Índice da Educação Básica (Ideb) de 3,3, em 2011, para 3,8, em 2013 depois de instituir, a partir de 2012, práticas simples, mas que podem ser consideradas inovadoras.
— Não podemos aceitar tranquilamente que uma escola tenha esse apelido (Carandiru). Quando cheguei à direção da escola, vi que a expectativa do grupo era uma mudança radical na questão disciplinar. Como se a chegada de alguém que colocasse disciplina, ordem, rigor, aumento de câmeras, resolvesse o problema — relata a diretora Eliane Silva. — Só que percebi que não. Pelo contrário, o que precisávamos era ter menos formas de controle e mais de diálogo dentro da escola. É inovador ouvir o aluno? Não, mas não é comum.
AUTONOMIA PARA OS ALUNOS
Uma das iniciativas desenvolvidas pela coordenação pedagógica da Souza Carneiro foi o projeto de mediação de conflitos, no qual os estudantes eram ensinados a dialogar para resolver divergências e, somente em último caso, deveriam procurar a direção.
— Esse projeto reduziu muito a ocorrência de brigas na escola. É claro que elas acontecem, mas são pontuais — conta Eliane.
A resolução dos conflitos internos contribuiu para estabelecer confiança entre a equipe pedagógica e os alunos, fazendo com que, a partir daí, os estudantes se sentissem confortáveis para apresentar ideias. Nesse contexto, um grupo de alunos, junto com a professora de Ciências Marilene Campelo, criou o “Esquadrão verde”, um projeto de sustentabilidade que revitalizou uma antiga horta do colégio, antes abandonada.
— Nós conversamos com a escola toda na segunda-feira para ficarmos atentos aos movimentos dos alunos, porque surge autonomia, protagonismo. O “Esquadrão Verde” é um projeto de revitalização da horta que acabou refletindo na escola toda. Não se trata apenas de como se planta uma couve, mas de como se cuida de um lugar onde a gente passa muitas horas do dia. Isso contagiou a todos. Hoje eles se sentem parte da escola — disse Eliane.
Na Rocinha, Zona Sul do Rio, a Escola Municipal André Urani, que se tornou em 2013 um Ginásio Experimental de Novas Tecnologias (Gente), trabalha o protagonismo diário dos estudantes utilizando um modelo pedagógico diferente dos colégios tradicionais. No Gente, os alunos são divididos em grupos (em vez de séries) e têm dois momentos: um em um grande salão, onde há uma mentoria, ou seja, os estudantes escolhem o querem estudar e têm a orientação de um professor; e o outro, quando vão para os laboratórios, que funcionam como salas de aula, onde aprendem os conteúdos das disciplinas comuns.
Antes, o Gente trabalhava apenas com a monitoria, mas os gestores perceberam que muitos alunos não dispunham de conceitos chaves, que precisavam ser ensinados de maneira regular. Dessa forma, houve uma reestruturação do projeto, que passou a ter as aulas nos laboratórios específicos de cada disciplina, quando os estudantes são agrupados de acordo com o assunto no qual apresentam dificuldade.
— A gente vai experimentando, isso é muito legal na escola. O aluno se sente muito estimulado quando vem para cá. Embora no início se sinta um pouco perdido, já que passa a ter muita liberdade para gerir o próprio ensino, depois ele amadurece essa autonomia. A liberdade vem junto com responsabilidade — explica a diretora do Gente, Marcela de Oliveira.
Além da metodologia diferenciada, a escola aposta em debates e gincanas para fomentar o interesse dos alunos pela escola. Nessa hora, temas de interesse dos estudantes — a maioria moradora da Rocinha — são escolhidos para nortear as atividades, como redução da maioridade penal, meio ambiente e saneamento, entre outros.
— As nossas escolas tradicionalmente não eram interessantes para o adolescente. Estamos em um tempo de construção e maturação do processo de inovação na rede municipal do Rio. Pretendemos estender esse modelo (dos ginásios experimentais) para toda a rede — disse a secretária municipal de Educação, Helena Bomeny.