Justiça muda regra de matrícula e extingue data de corte etário em escolas de SP
Em: 18 Maio 2014 | Fonte: Portal IG
Data de corte não é mais 30 de junho; escolas estaduais e privadas do Estado de São Paulo terão de aceitar no 1º ano do fundamental crianças que completem 6 anos em qualquer mês
O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu uma sentença que obriga a matrícula, no 1º ano do fundamental, de crianças que completarem seis anos de idade em qualquer data do ano, independentemente do mês de aniversário do aluno. Até então, só poderia se matricular aqueles estudantes que completavam seis anos até a "data de corte" de 30 de junho.
A partir de agora, portanto, crianças que ainda tenham cinco anos até depois do fim de junho poderão se matricular regularmente no 1° ano do fundamental. A lógica também passa a ser aplicada no ingresso da criança na pré-escola. Ou seja, aos 4 anos incompletos o pequeno já poderá se matricular e cursar o "Pré-I".
A decisão, de segunda instância, já está valendo para todas as escolas estaduais e privadas do Estado de São Paulo. Caso as redes de ensino descumpram a medida, em eventuais novos pedidos de matrícula ou transferência, elas estarão sujeitas a uma multa diária de R$ 500,00 por aluno não atendido. Os pais dos estudantes que ainda encontrarem resistência durante o processo de matrícula, podem denunciar a escola ao ministério público.
Como a decisão foi tomada a partir do ajuizamento de uma ação civil pública pela Promotoria de Justiça da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP), em Atibaia (SP), a medida não é extensiva à rede municipal da cidade de São Paulo. O alcance da decisão atinge as escolas municipais dessa cidade do interior paulista e todas as escolas estaduais e particulares do Estado de São Paulo.
Além da nova regra que veta o chamado "corte etário" pelas redes de ensino, a decisão também julgou procedente a possibilidade de realização de avaliações pedagógicas educacionais em alunos interessados no ingresso ou transferência para a série pretendida. Ela deve ser feita individualmente a partir de requerimento dos pais do aluno. A não realização também pode ser penalizada com multa. Caso a criança não se adapte à nova série, a sua condição pode ser revisada pela escola.
Batalha judicial
A briga jurídica entre o o MP-SP e a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE) teve início em 2012, quando a sentença em primeira instância havia dado ganho de causa para a demanda do MP. No entanto, a pasta entrou com recurso e só agora a decisão foi analisada por uma corte superior, que confirmou a decisão anterior.
Caso a SEE queira apelar outra vez contra a nova decisão em segunda instância, a pasta deve entrar com um recurso, para posteriormente ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF), afirma o promotor de justiça Alexandre de Palma. "Mesmo com essa possibilidade, avaliamos que a reversão é muito difícil. A decisão do tribunal é baseada em vasta jurisprudência", diz Palma.
Para ele, e segundo a promotora Fabiana Kondic, que também é autora da ação, a data de corte das escolas de São Paulo desrespeita normas constitucionais e o direito das crianças à progressão no sistema de ensino, conforme a capacidade individual de cada uma delas. “O argumento utilizado para a implantação da medida é falacioso e visa, unicamente, facilitar a gestão do sistema de ensino”, afirmam.
Escolas municipais
Mesmo tendo impacto somente nas escolas estaduais e privadas, a decisão abre precedentes para que pais de alunos de redes municipais como a da capital possam entrar na justiça, caso não concordem com a data-limite. Hoje, a Secretaria Municipal de São Paulo exige, durante o processo de matrícula, que o aluno tenha idade mínima de seis anos, completos ou a completar até 31 de março.
"A gente espera que sim, que os pais usem essa decisão como inspiração e procurem a promotoria de justiça local, caso não queiram defender seus filhos diretamente em juízo", explica Palma. Atualmente, mesmo sem essa decisão, muitos pais que não aceitam o corte etário conseguem efetuar a matrícula dos seus filhos por meio de mandados de segurança.
Debate
A jornalista Julliane Silveira, de 33 anos, mãe de um filho pequeno aprova a decisão. "Acho importante dar essa autonomia à escola e às famílias, como acontecia no tempo em que eu era criança. Cada criança tem um perfil e isso deve ser avaliado individualmente. Atrasar pode ser tão desestimulante quanto adiantar a série."
O filho de Julliane tem apenas 3 anos. Francisco, que faz aniversário em agosto, é um dos mais velhos de sua turminha. Antes da decisão judicial, ele só poderia entrar no 1º ano em 2017. Agora, poderá começar o ensino fundamental um ano antes, com 5 anos e seis meses, aproximadamente.
Tal possibilidade, possível a partir de agora com a decisão da Justiça, é questionada por especialistas como a professora da Faculdade de Educação da USP Silvia Colello. "Antes, o nosso ensino fundamental começava aos 7 anos. Agora imaginem uma criança de 5 anos tendo que lidar com um outro tipo de escola, diferente daquela mais lúdica que é a da educação infantil", questiona. Ela ainda alerta para a possível falta de preparo dos professores. "Eles não estão preparados em termos de formação para lidarem com crianças mais novas", fala Silvia.
A posição também é compartilhada por José Fernandes de Lima, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) - órgão consultor do Ministério da Educação (MEC). Segundo ele, a decisão "praticamente acaba por antecipar em um ano" a escolarização das crianças. "Os pais sempre querem matricular os seus filhos o mais cedo possível. Nós entendemos que o ingresso no fundamental com menos de 6 anos traz prejuízos à criança", explica Lima.
Para Francisco Poli, diretor da Udemo, o sindicato dos diretores das escolas estaduais de São Paulo, a questão da idade é algo "relativo". "O tema é polêmico, mas o consenso que existe é, se a criança vem de uma boa educação infantil, ela não enfrentará problemas no 1º ano do fundamental", fala.
Poli, no entanto, aponta que a decisão atual pode ter um reflexo no planejamento de vagas que devem ser ofertadas para esses novos alunos. "Quando houve a mudança na idade ideal para o fundamental de 7 para para os 6 anos, houve um problema de falta de vagas nas escolas públicas", diz o sindicalista da organização paulista.
Outros estados
Além da discussão sobre a idade ideal de ingresso na escola, a decisão ainda reacende o debate sobre a definição ou não de um data limite unificada pelas redes de ensino do país. Atualmente, as datas de referência que ainda são utilizadas por redes de ensino de outros estados não são uniformes, mesmo havendo uma recomendação nesse sentido.
O CNE chegou a orientar as escolas de todo o país a adotarem a data de 31 de março como referência. "É importante que haja uma data, porque assim os sistemas de ensino conseguem se organizar melhor, inclusive, administrativamente", fala Lima.
No entanto, a recomendação do CNE não tem força de lei. Assim, cabe a cada Estado e município, geralmente via seus conselhos locais de educação, definirem o corte etário."Acho muito complicado ter diferentes linhas de corte em Estados. Isso gera problemas quando as famílias precisam mudar de cidade, por exemplo. O Brasil precisa pensar numa proposta de qualidade de educação de forma mais consolidada. Não dá para cada Estado fazer seu projeto educação", afirma Silva Colello, da USP.
Outro lado
Consultada, a secretaria de educação do Estado de São Paulo informou que ainda não foi notificada da decisão, mas que a data de corte de 30 de junho seguida pela rede se baseia em deliberação do Conselho Estadual de Educação.
Já a Federação Nacional de Escolas Particulares (Fenep) informou que não tem como hábito "interromper o processo da criança na escola". Ou seja, na prática, as instituições de ensino privadas já recebem alunos que ainda não completaram a idade respectiva para a série, desde que tenham cursados os anos anteriores. Ou seja, a decisão não traria grandes alterações para a rede privada segundo a entidade.
"Hoje é bem comum as crianças ingressarem na educação infantil aos 2 anos. Assim, mesmo que ela faça 6 anos ao longo do 1º ano do fundamental, nós a aceitaremos sem nenhum problema. Se ela tiver algum problema de acompanhar o grupo, a escola conversa com a família e toma uma decisão", afirma Amábile Pacios, presidente da Fenep.
A reportagem também tentou entrar em contato com o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp), mas os dirigentes não puderam responder às ligações por motivos de saúde ou viagem de trabalho ao exterior.