Da escola privada para a pública, sem arrependimento

Em: 20 Junho 2016 | Fonte: Diário de Pernambuco

Incentivos como sistema de cota, projeto Ganhe o Mundo e gratuidade no transporte público agora fazem a diferença

 

A busca de alunos de escolas particulares por  instituições públicas tem crescido nos últimos anos. É possível perceber, em Pernambuco, um movimento de “retorno” da classe média para a rede pública de ensino, motivado por incentivos como o sistema de cotas nas universidades federais para estudantes das rede pública, a gratuidade no transporte público e a possibilidade de fazer um intercâmbio em países como Estados Unidos, Canadá, Chile e Espanha.
É o caso da estudante do primeiro ano do ensino médio da Escola Estadual Manoel Borba (em Boa Viagem, no Recife) Daniele Belmiro, 14 anos. Desde o maternal, ela estudou em escolas particulares. Quando concluiu o ensino fundamental, a mãe fez uma proposta inesperada.  A advogada Márcia Belmiro, 40, sentou-se com a filha e, apesar de achar que Daniele ia rejeitar a sugestão, enumerou as vantagens de a adolescente estudar em uma escola pública. “Falei que ela poderia fazer intercâmbio (pelo Programa Ganhe o Mundo), algo que eu e meu marido não teríamos condições de pagar”, conta a mãe.

“Topei na hora. Depois, pensei naquela imagem que temos de escola pública; com bancas quebradas, professores desestimulados, falta de livros. Fiquei com medo. Mas quando cheguei à escola, vi que não era nada daquilo”, diz Daniele.
As palavras da mãe foram fundamentais para acalmá-la, mas a resposta imediata da filha surpreendeu Márcia. “Ela não hesitou. Mesmo tendo estudado sempre em escola particular, topou o desafio e está amando. Na primeira semana de aula, perguntei se ela queria voltar ao antigo colégio e ela rapidamente respondeu que não. Disse que estava amando a nova escola e que queria ficar nela”, lembra a advogada, que, quando a filha estudava em escola privada, tinha 30% da renda mensal comprometida com educação. “Quero ser engenheira e sei que terei condições de passar no vestibular. Meus professores são muito empolgados e me ajudam muito. Meus pais também são superparceiros e estão sempre me incentivando”, completa Daniele.

Números 
Dos 620 mil estudantes da rede estadual de Pernambuco neste ano letivo, 49 mil são novatos, segundo dados preliminares da Secretaria Estadual de Educação. Desses, 15.515 estudavam em escolas privadas no ano passado. Isto é, 30,6% dos novos alunos migraram entre as redes. O crescimento acompanha uma tendência observada nos últimos dois anos. Em 2015, 15.468 alunos da rede particular passaram para escolas públicas estaduais. No ano anterior, foram 15.024 estudantes migrando para escolas gratuitas, ou seja, houve um aumento de 4% entre 2014 e 2016. “Percebo, nas rodas de conversas do meu meio, que ainda existe uma resistência (da classe média) às escolas públicas. Sempre digo que a educação dos filhos é responsabilidade nossa, dos pais. Temos que acompanhá-los, guiá-los e não delegar tudo ao colégio. Tenho certeza que minha filha é muito feliz onde está e será muito bem-sucedida no que escolher, pois tem nosso amor e apoio”, afirma Márcia.

Especialistas ouvidos pelo Diario destacam que não reconhecer os problemas da educação pública não ajuda a melhorá-la. Fugir para as escolas particulares também não. “Esse discurso negativo sobre a escola pública surgiu quando os governos deixaram de dar conta da demanda por causa do crescimento populacional. A educação pública perdeu a qualidade, e as escolas privadas começaram a crescer. Hoje, temos um retorno da classe média para as escolas públicas e isso pode mudar o quadro atual”, pontua o presidente da Associação Brasileira de Educação (ABE), o professor Paulo Alcantara Gomes.

Rede estadual

620 mil estudantes na rede estadual de ensino em 2016
320 mil estudantes no ensino médio da rede estadual
49 mil alunos novatos na rede estadual este ano
15.515 alunos novatos de 2016 eram da rede privada em 2015*
1.049 escolas na rede estadual de ensino
500 mil estudantes na rede privada de ensino em Pernambuco
2.400 escolas particulares no estado

*Informação preliminar da Secretaria Estadual de Educação 

O êxodo é mais forte nas classes C e D


Um levantamento da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) mostrou que as escolas particulares perderam de 10% a 12% das matrículas em 2016. Na avaliação da diretora da entidade, Amábile Pacios, a causa principal desse fenômeno seria a crise financeira que o país enfrenta. A federação identificou a saída de estudantes de escolas privadas especialmente nas famílias das classes C e D – parcela da população que teve ganho de poder aquisitivo antes da crise, mas que, agora, sente os efeitos da desaceleração econômica.

“Teve migração maior de escolas que atendem as classes C e D, que cresceram mais nos últimos cinco anos. As pessoas dessas classes tinham o sonho de colocar os filhos na escola particular, mas, com os cortes que fizeram no orçamento, o colégio não coube mais”, pontua. Por outro lado, segundo ela, nas escolas que atendem predominantemente as classes A e B, houve aumento entre 3% e 4% nas matrículas.

O fenômeno migratório não surpreendeu os gestores dos estabelecimentos privados do estado. De acordo com o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de Pernambuco (Sinepe), José Ricardo Diniz, a migração já era prevista desde que o número de inadimplentes teve um boom, em 2015. “A inadimplência cresceu muito no ano passado e, com isso, já imaginávamos esse cenário. Não é um fenômeno local, mas nacional”, afirma.
Outras explicações para a saída de alunos da rede privadas são consideradas em Pernambuco: cotas no vestibular das universidades públicas, gratuidade no transporte público, aulas de robótica, bolsa nas faculdades privadas e também a possibilidade de fazer intercâmbio pelo programa Ganhe o Mundo.

O secretário estadual de Educação, Fred Amâncio, acredita que a recessão econômica no país não é o principal motivo do aumento das matrículas de novatos oriundos de instituições particulares. “Observamos esse crescimento nos últimos três anos. Esse interesse vem surgindo a partir da nossa responsabilidade com a educação. Oferecemos aulas de robóticas nas escolas de referência. Antes, isso só era possível nos colégios particulares. Outro diferencial é o Ganhe Mundo. Isso chama a atenção dos pais”, ressalta.

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