Censo mostra queda no número de calouros

Em: 07 Outubro 2016 | Fonte: O Globo

Especialistas atribuem redução de 6,1%, a primeira desde 2009, à crise e à descontinuidade do Fies

Depois de alcançar 3,1 milhões de novas matrículas em 2014, um recorde em 10 anos, a educação superior brasileira viu o número de calouros cair em 2015 após forte tendência de crescimento desde 2009. Dados do Censo da Educação Superior, divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), mostram que a quantidade de ingressantes em instituições da rede pública caiu 2,6%, enquanto na rede privada a queda foi de 6,9%.

No total, houve redução de 6,1% no universo de novas matrículas, ou seja, 190.626 a menos, totalizando 2,9 milhões em 2015. Associações e educadores da área atribuem a redução à crise econômica e à diminuição no número de vagas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) — que passaram de 731 mil em 2014 para 313,5 mil em 2015.

A queda foi maior na rede privada, com 176.445 matrículas novas a menos. Na rede pública, a perda foi de 14.181 novos alunos. Em 2014, entre os 3,1 milhões de calouros, 2,5 milhões estavam nas universidades particulares e cerca de 548,5 mil nas instituições públicas. Já no ano passado, dos 2,9 milhões de novos alunos, cerca de 2,4 milhões eram provenientes de instituições privadas, e por volta de 584,3 mil oriundos da rede pública. A redução interrompe uma sequência de expansão no universo de novas matrículas, que de 2005 a 2015 cresceu 65,4% nas instituições privadas e 47,5% nas públicas.

OPÇÃO PELO MERCADO DE TRABALHO

De 2005 a 2015, o número de matrículas cresceu 75,7%, mas, entre 2014 e 2015, o Censo observou um aumento de apenas 2,5%, o que representa uma desaceleração no total de estudantes matriculados em instituições do ensino superior.

— Essa redução não é muito surpreendente. Houve um corte grande no Fies, que era fundamental para a expansão no ensino privado. Muitas instituições também reduziram sua participação no Prouni (Programa Universidade para Todos). Além disso, a crise econômica dificultou o acesso de novos alunos. Grande parte do acréscimo que tínhamos nos anos anteriores era de estudantes acima de 25 anos que voltavam a estudar. Mas, nessa circunstância, essas pessoas tendem a optar pelo mercado de trabalho e não pelo ensino superior, o que tem impacto também na rede pública — explica Robert Verhine, professor da Universidade Federal da Bahia e doutor em educação comparada e economia da educação.

Grupos ligados à educação superior também criticaram a descontinuidade do Fies. Presidente da Associação Brasileira das
Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Janguiê Diniz criticou o endurecimento das regras:

— Tivemos uma restrição no número de financiamentos. Saímos de cerca de 700 mil vagas em 2014 para 300 mil em 2015. Mesmo assim, as vagas, apesar de oferecidas, não foram totalmente preenchidas devido aos novos requisitos.

Já segundo a diretora da Federação Nacional de Escolas Particulares (Fenep), Amábile Pácios, a crise econômica leva a família a adiar o início da formação superior.

— As famílias precisam se reorganizar financeiramente para manter todos os seus membros estudando. Diante dessa escolha, a família prefere manter o filho na escola particular na educação básica e depois escolher quem vai estudar no ensino superior — analisa.

AJUDA DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO

Durante uma entrevista à imprensa, ontem, o ministro da Educação, Mendonça Filho, afirmou que a redução no número de estudantes matriculados em cursos no ensino superior no ano passado pode ser corrigida com a reforma do ensino médio, conforme prevê Medida Provisória (MP) editada pelo presidente Michel Temer no mês passado.

— A reforma do ensino médio vai na direção de facilitar o acesso dos alunos ao ensino superior. Mas essa é mais uma sensibilidade pessoal do que técnica — disse o ministro, depois da divulgação do Censo.

Além da redução no índice de alunos novos, houve aumento na taxa de estudantes que abandonaram seus cursos. No grupo de alunos que entrou na educação superior em 2010, 43% tinham desistido em 2013, e no ano seguinte a taxa era de 49%. A análise do número de estudantes que desistem do curso de ingresso — observando o grupo de alunos que entrou na universidade em 2010 — também cresceu ano a ano. Em 2010, a taxa era de 11,4%, em 2015, o índice chegava a expressivos 49%.

De acordo com Verhine, a desistência pode estar relacionada à dificuldade de se manter na universidade, o que afeta até mesmo o ensino público: — O ensino público na verdade não é gratuito, o aluno tem que assumir uma série de custos que têm a ver com seus estudos, e, muitas vezes, tem que sacrificar sua renda para poder estudar.

Presidente do Inep, Maria Ines Fini atribuiu o alto índice de desistência à falta de identificação com o curso escolhido e defendeu uma revisão das carreiras para tornálas mais atraentes e significativas para o mercado de trabalho.

— É uma demonstração que todo o investimento que se faz na qualificação docente, na estrutura física de laboratório do ensino superior tem que ser revista. É um desperdício de dinheiro, público ou privado, que a sociedade faz em função da nossa administração errada.

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