A realidade do financiamento estudantil

Em: 08 Fevereiro 2017 | Fonte: Folha de S.Paulo

No Brasil, quem teve boa formação escolar, passando pelos melhores colégios particulares, estuda em universidades federais, bancadas com recursos públicos que jamais retornarão para a União.

Por outro lado, o aluno que se formou em escolas públicas, enfrentando toda sorte de dificuldades -falta de material didático, professores e outros-, só consegue cursar o ensino superior se recorrer às instituições particulares. Com raríssimas exceções.

Pesquisa realizada em 2016 pelo instituto MDA, que ouviu mil jovens de nove capitais brasileiras, mostra que 71,9% deles concluíram recentemente o ensino médio em escolas públicas municipais, estaduais ou federais. Os 28,1% restantes são provenientes de colégios particulares.

O Inep, órgão do Ministério da Educação, divulga anualmente o Censo da Educação Superior. Em 2015, no último levantamento disponível, a autarquia computava 8 milhões de alunos matriculados em cursos de graduação no Brasil.

Deste total, aproximadamente 2 milhões, ou 25%, buscavam formação acadêmica em universidades públicas. Os outros 6 milhões, ou 75%, se agarravam à oportunidade de tentar mudar sua dura realidade ao recorrerem a instituições privadas.

De 2015 para cá, esse retrato não mudou. Ainda segundo a pesquisa do instituto MDA, dos jovens que pretendem fazer um curso superior, 50,5% alegam que não possuir condições financeiras de custear seus estudos. Quase o mesmo percentual, 50,3%, afirma que só prestará vestibular com o auxílio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

O perfil da maioria dos estudantes das instituições de ensino superior particulares fica, então, claro: aluno malformado em escolas públicas, com graves deficiências de aprendizado e falta de domínio da língua portuguesa e de matemática. Também não pode pagar as mensalidades e depende de programas sociais do governo.

Diante desta cruel realidade, pergunto: é justo exigir 450 pontos no Enem de quem não tem capacidade de atingi-los, justamente porque o Estado não lhe deu condições durante o período de formação escolar? Ou é puni-lo duas vezes na vida? Por que não podemos reduzir gradualmente o número de pontos, conforme a demanda desses jovens e o número de vagas?

Para aqueles que conseguem vencer esta etapa e heroicamente atingem as exigências para se inscrever no Fies, começam novos desafios: correr atrás do prejuízo para sanar suas deficiências de aprendizado e conseguir acompanhar o ritmo; buscar emprego, pois ninguém consegue bolsa integral e precisa pagar parte da mensalidade; e, por último, conciliar faculdade e trabalho.

Tudo isso vale a pena? Claro, pois a conclusão do ensino superior impacta de forma decisiva no aumento de salário. Em 2014, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), 36% dos que concluíram uma graduação ganharam mais de cinco salários mínimos. Esse patamar só foi alcançado por 7% daqueles que possuem somente o ensino médio.

Esse aspecto é importante, já que, ironicamente, eles precisarão juntar recursos e ressarcir o programa de financiamento, dando oportunidade para outros alunos.

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