A Controversa Avaliação da Educação Superior Brasileira - O Necessário Olhar para o Ensino Particular

Em: 16 Fevereiro 2011

Vivemos um momento especial de nossa história. O Brasil se eleva, com vigor, a um novo patamar de nação. Temos, portanto, as condições e uma imensa necessidade de darmos um grande salto na qualidade do nosso ensino. Um desafio que só será vencido se governo e sociedade se unirem de fato nesta luta, com toda a força, coragem e convicção.

(Dilma Roussef, em 10.02.2011.)

I - CONSIDERAÇÕES GERAIS

A avaliação das instituições de ensino superior (IES) é um ato do poder público, previsto na Constituição Federal, que deve ser prestigiado por todos os integrantes do processo educacional. Além disso, a avaliação permite que os órgãos responsáveis pela execução das políticas públicas tenham uma visão mais apurada da oferta de ensino superior e que as famílias tenham referências para a escolha dos cursos para os seus entes.

Por ser um processo difícil de ser mensurado, a avaliação tem passado por severas críticas de especialistas em todos os países do mundo. Tal fato vem provocando um aperfeiçoamento dos modelos visando a estabelecer critérios mais adequados à realidade das IES e a assegurar à sociedade uma melhor maneira de avaliar os serviços educacionais.

Todos porém são unânimes em reconhecer que a estratégia a ser utilizada deverá ser essencialmente pedagógica, para permitir que as correções de percurso sejam realizadas e os desajustes sanados. A avaliação não pode ser uma ação somente punitiva, mas também educativa.

O importante é que seja um processo bem planejado com a participação dos responsáveis pelas IES a serem avaliadas as quais precisam não só conhecer as regras do jogo como também colaborar para o aperfeiçoamento dos modelos, evitando assim que injustiças aconteçam.

No Brasil, no contexto da avaliação o primeiro elemento a ser percebido é a profunda diversidade de instituições - objetivos, tamanho, estrutura e realidade social, prestação de serviços educacionais, tipologia, graus de autonomia, funções (ensino, pesquisa e extensão), diversidade econômica, social, cultural - quer sejam universidades, centros universitários, faculdades integradas, faculdades e institutos.

Numa visão mais apurada da situação, constata-se a presença de IES cujo principal objetivo é formar cientistas, pesquisadores e professores para o desenvolvimento do país ao lado de outras que visam a formar profissionais qualificados para os quadros empresarias e do governo. No primeiro caso estão as universidades federais e, no segundo, as IES de altíssimo nível, como a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper/Ibmec-SP), dentre outras, cujas anuidades ultrapassam 40 mil reais. No terceiro, estão as IES com anuidades menores - entre 20 mil e 10 mil reais - e no quarto, a maioria, com anuidades entre 4 mil e 7 mil reais, representada por faculdades distribuídas em mais de 1.400 cidades brasileiras que se destinam a formar profissionais para os níveis intermediários das empresas.

As famílias de poder aquisitivo mais alto, por sua vez, investem nos colégios que possam melhor preparar seus filhos para ingressarem nas universidades públicas e/ou nas particulares de maior prestígio. E ao contrário, os estudantes advindo dos colégios públicos é que vão para as instituições particulares. É um paradoxo conhecido por todos que desvirtua qualquer bom processo avaliativo.

E o mais importante que a avaliação não consegue medir a qualidade intrínseca dos estudantes, seu caráter, seus valores, sua participação social, o que ele aprende na experiência do dia a dia e sua vivencia que o contato diário com pessoas e que realidades diferentes molda. A mesma vivencia que fez de um modesto torneiro mecânico um inconteste Presidente da Republica, admirado no pais e no exterior. Não há CPCs que meçam isto e as instituições particulares são especialistas em promover trajetórias pessoais e propiciar acesso social aos seus formandos.

De acordo com o Censo da Educação Superior de 2009 (Inep/MEC), o ensino particular brasileiro tem 2.069 instituições com aproximadamente 20 mil cursos analisados. As IES públicas são 245 (94 federais, 84 estaduais e 67 municipais) com 2 mil cursos avaliados. Neste universo tão complexo e heterogêneo, o sistema avaliativo não pode medir as IES com uma mesma régua - há que se analisar a peculiaridade de cada uma delas.

É bom destacar que nestas últimas cinco décadas o ensino superior particular tem prestado um serviço exponencial. Hoje é responsável por cerca de 75% da oferta universitária do país e formou mais de 7 milhões de profissionais, essenciais para o processo de desenvolvimento. E no plano prático, as pesquisas demonstram que os diplomados pelas IES particulares ocupam, em maior número, os principais postos em importantes empresas brasileiras.

O Sinaes

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), criado pela Lei n.º 10.861, de 14 de abril de 2004, disciplina todo o processo avaliativo dos cursos superiores brasileiros e tem por finalidade a melhoria da qualidade da educação.

O Sinaes baseia-se nas seguintes condições:

I - Avaliação institucional e de cursos, interna e externa;

II - Avaliação do estudante por meio do Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade)[1]

III - Respeito à identidade e à diversidade de instituições e de cursos;

IV - Participação do corpo discente e docente e pessoal técnico-administrativo das instituições e garantia do caráter público e dos resultados dos processos avaliativos.


Apesar destes pré-requisitos, o estudante precisa apenas registrar sua presença na avaliação, sendo que o seu desempenho não consta do histórico escolar, fato que na prática tira todo o valor da prova. Importante observar que apenas o Enade está sendo levado em consideração como indicador de qualidade, mesmo considerando que o Sinaes prevê, de maneira equilibrada, três níveis de avaliação dentre os quais a auto-avaliação, tendo como referência o projeto institucional das IES.

O que parece ser uma concepção equivocada é que as avaliações do INEP realizadas nas instituições educacionais, com caráter de reconhecimento de cursos e de Conceito Institucional, não são levadas em consideração. E o CPC que é um conceito preliminar de curso, como seu próprio nome o diz, fica prevalecendo para o IGC.


Avaliar qualidade de educação tem sido um dos assuntos mais debatidos no âmbito acadêmico e muito tempo e dinheiro têm sido gastos para se aperfeiçoar o processo. A avaliação, tal como prevê o modelo atual, demanda visitas locais extremamente dispendiosas em função do número de IES e da extensão territorial brasileira.


Enquanto isso, especialistas e estatísticos elaboram fórmulas para solucionar o problema que, em última análise, discriminam e prejudicam o ensino particular, A experiência que possuem é única do modelo público o que traz um viés do que seria a realidade. É importante salientar que a composição do CONAES, na sua quase totalidade, oriunda dos quadros governamentais pode gerar concepções avaliativas unilaterais.

II - CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS

O setor particular não tem sido devidamente valorizado pelo burocracia do Estado. Quando o Estado fala em "boas exceções" do setor privado, refere-se exclusivamente a IES confessionais, comunitárias e filantrópicas, tratadas de forma similar às IES públicas. As IES com fins lucrativos são extremamente mal vistas, consideradas subclasse, independentemente da qualidade de seus cursos. O maior exemplo dessa discriminação está no fato do sistema de avaliação ter sido montado para privilegiar as IES públicas, mesmo que possua várias inconsistências metodológicas:

  • As regras são distintas para IES públicas e privadas (vide Parecer n.º 107/2010 do Conselho Nacional de Educação/CNE)[2], que libera as universidades públicas do processo;
  • O peso na titulação e no regime de trabalho dos professores é excessivo, sem comprovação real de da sua importância;
  • A metodologia do Indicador de Diferença dentre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD) privilegia as IES com melhor desempenho no Enade ou seja não mede, de fato, o valor agregado, apenas acentua as diferenças do Enade;

É bom usar rankings para fins avaliativos, mas para fins regulatórios é um erro metodológico. Em todo ranking, sempre haverá alguém no final.

III - PROPOSTA CONCILIATÓRIA

Tendo em vista o exposto, o Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular depois de ter analisado a publicação "A Avaliação e o Setor Privado: uma proposta de revisão de critérios", apresenta ao Ministério da Educação as seguintes propostas:

  • Rever os instrumentos de avaliação, no sentido de assegurar consistência nos indicadores, conforme a fase de tramitação do processo da/do instituição/curso (autorização, reconhecimento), bem como entre as diferentes tipologias (bacharelado, tecnológico)[3];
  • Realizar avaliação anual dos cursos e não a cada três anos, pois pode-se gerar distorções onde há um rigor maior na seleção dos calouros e na avaliação dos concluintes que realizarão avaliação naquele ano específico;
  • Reduzir o peso da titulação (especialmente doutores) e do regime de trabalho (especialmente tempo integral) no cálculo do Conceito Preliminar de Curso (CPC), bem como nos instrumentos de avaliação in loco;
  • Tratar os indicadores de titulação e regime de trabalho de forma progressivamente diferenciada nas faculdades, centros universitários e universidades;
  • Atribuir o conceito "Não se aplica" (NSA), nos casos de faculdades e centros universitários, para indicadores ligados à iniciação científica e pesquisa (e pós-graduação stricto sensu);
  • Usar o Exame Nacional de Avaliação do Ensino Médio (Enem) como avaliação do ingressante, porém exclusivamente para o cálculo do IDD.
  • Não usar a nota do ingressante no cálculo do CPC;
  • Retirar da Portaria n.º 40/2007 e da Portaria Normativa n.º 10/2009 os artigos que permitem o arquivamento sumário de pedidos de credenciamento e autorização, sem visitas de comissões. A IES deve ter sempre o direito de submeter suas pretensões a uma análise justa e imparcial de uma comissão independente.

Quanto à regulação, propõe-se:

  • Criar instrumentos distintos para os processos de avaliação e para os processos regulatórios. Estes devem contar somente os requisitos legais e os considerados indispensáveis e não passíveis de nota;
  • Estabelecer que competirá à Comissão Nacional de Avaliação da Educação superior (Conaes) definir somente os instrumentos para a avaliação e não àqueles destinados à regulação;
  • Coibir a participação de corporações, conselhos e entidades de classe na tramitação dos processos regulatórios;
  • Estabelecer uma lista objetiva de requisitos mínimos que devem ser atendidos pelas IES e seus cursos como base do processo regulatório.

IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular reitera as suas expectativas de ver analisadas e atendidas pelo MEC as legítimas reivindicações do setor particular contidas no presente documento.

Também tendo em vista o conteúdo do discurso da presidente Dilma Roussef - conclamando todos os setores da sociedade a participar da construção dos novos caminhos para a educação - bem como o convite feito pelo ministro Fernando Haddad ao setor privado para estabelecer uma parceria público/privado visando à expansão estratégica e qualitativa do ensino superior, o Fórum considera que o setor privado, valorizado e reconhecido pelo MEC na sua real dimensão, estará preparado, em articulação com os órgãos governamentais e demais setores da sociedade, para acompanhar, discutir, cobrar, propor e construir novos caminhos para a educação brasileira.

Brasília, 16 de fevereiro de 2011.

Gabriel Mário Rodrigues

Secretário Executivo



[1] As imperfeições do atual processo de avaliação residem na centralidade atribuída ao Enade que acaba servindo apenas para produzir um ranking de IES, empobrecendo os objetivos curriculares. Nada foi feito para aumentar as responsabilidades dos alunos com o resultado do Enade. A fórmula "descomprometimento dos alunos nos resultados do Enade + professores preparando aulas em razão do Enade" gerará resultado danoso para Educação. O Enade deve contemplar a diversidade das competências a serem verificadas nas diferentes carreiras profissionais e representar apenas o desempenho do aluno. Transformar os resultados do Enade em ranking, cujos primeiros lugares já são conhecidos, de nada adianta ou contribui para a melhoria do ensino superior. Há casos extremos em que as IES se preocupam apenas em se preparar para tirar boas notas no Enade.

[2] Dentre as propostas de alteração do Parecer CES-CNE n.º 107/2010 está a de permitir que as universidades comprovem a produção intelectual institucionalizada pela realização sistemática de pesquisas, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

[3] Para tanto, representantes do Fórum das Entidades do Setor Privado precisam ter acesso imediato aos estudos e propostas de modificações dos instrumentos de avaliação que estão sendo conduzidos por comissão nomeada pela Portaria-Inep n.º 7/2010, antes da publicação e oficialização dos mesmos.

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